19 de dezembro de 2006

Mudar de casa é também não pertencer a lugar nenhum. E eu moro em muitos lugares. Vou deixando marcas por aí!

E quanto mais eu quero por os pés no chão. Mais é que a vida me empurra porta afora e me manda procurar um lugar seguro, dizendo que o outro já foi-se!

Então eu ando no limiar da rua, com a cabeça voltada ao céu e aos prédios procurando meu novo lar por infinitamente um ano!

E tudo o que eu tenho é preguiça de não pertencer a lugar nenhum.

Quero uma casa com quintal, jabuticabeira e uma mesinha de madeira colorida com um guarda-sol velhinho, de tecido já meio desbotado.

Uma rede amarela e uma videira.

Há de ter terra preu pisar. Há de ser fresca, umedecida pela garoa.

Também uma vitrola antiga preu cantar e dançar.
Mas, por enquanto, me resta a altura da paisagem que vejo através das janelas dos arranha-céus.

5 de dezembro de 2006

Foi andando na chuva para entregar um pouco do que sobrou de seus dias. Lá vai ela de guarda-chuva à postos. Pronta para mergulhar no céu cinzento e no asfalto molhado. A cada canteiro ia deixando uma lembrança, uma esperança e uma idéia. Na verdade ela ia se desfazendo das suas próprias penas e voltando devagarzinho à realidade.

Girou o guarda chuva como nas danças de frevo. Resolveu fechar. Mesmo que a chuva seja ácida ela ainda assim deve cumprir a função de lavar a alma. E, apesar de cair do céu, nada prende mais uma pessoa ao firmamento que a chuva.

Tinha um poema na cabeça e compunha mais um verso a cada farol vermelho. Foi desvendando seus pés, seus sapatos encharcados, os pingos de chuva na calça, no casaco.

Chegou ao destino traçado obrigatoriamente e deixou sua última fantasia. Antes disso, certificou-se de que ela não lhe iria sair seguindo sorrateiramente, se escondendo através dos postes de luz, ou das árvores mal plantadas.

O trajeto de volta ela fez diferente. Cada coisa já estava no seu lugar. Fez isso para não ser perseguida pelas coisas que havia abandonado no caminho. Ora, se ela as havia abandonado, mais conversa com aquelas coisas é que ela não queria.

Depois disso foi procurar o que fazer, não que houvesse, mas seria possível criar.

24 de novembro de 2006

Hoje eu subi no andar mais alto de um prédio para tomar café e esquecer um pouco. Várias outras janelas de vários outros prédios estavam abertas e eu gostei disso. Quartos com cara de quartos. Salas com jeito de salas. Tudo arrumado, organizado e empoleirados uns sobre os outros. Eu me senti pequena e grande. Pequena porque a gente é só mais um nessa cidade, e isso faz com que a gente se sinta sozinho. Grande porque, por mais que o todo seja uma merda, é bom fazer parte de alguma coisa.
Além de tudo, várias músicas passavam pela minha memória, com a melodia tão nítida que eu quase podia ouvir realmente as vibrações das vozes e dos instrumentos.
Num dia assim, com o sol já quase se pondo e o céu já ganhando um alaranjado de fim de tarde. Não precisei de óculos escuros.
A gente segue seguindo até onde dá pra ir. Depois disso fica difícil. E a vontade que dá é a de seguir o conselho de Raduan Nassar e preparar-se para dar um salto e deixar que o mundo te embale.

Aí pelas Três da Tarde
Raduan Nassar(para José Carlos Abbate)

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome em seguida no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.


Texto extraído do livro "Menina a caminho", Companhia das Letras - São Paulo, 1997. pág.71.

[importante lembrar que esse texto do Raduan Nassar não está licenciado pelo Creative Commons, como todo o resto do blog, só observação]

16 de novembro de 2006

nem se atreva a me dizer do que é feito o samba

Eu quis compor o samba do silêncio e lembrei que samba nada tem com o silêncio. A não ser o silêncio que a platéia deve fazer quando o samba tocar.Aliás, nem isso. Samba que é samba deve ser cantado a mil vozes.

Mas então para que afinal hei de compor um samba silencioso se nem mesmo sei compor. O que faço é juntar palavras que não servem para música nenhuma. Serviriam talvez para a construção de um poema dadaísta. Fossem elas recortadas em folhas de papel e dispostas sobre a mesa.

Leite com café também não combina com samba. E isso é justamente o que está em minhas mãos. Além disso, se for o samba que imagino, mal caberia compô-lo aqui. Frente a uma máquina sem a roda de uma pessoa que seja ao meu redor.

Percebo que o samba anda sendo questionado e creio eu que o samba nada tenha com as questões. A não ser aquelas que afligem a alma. Mas por causa de que havemos de questioná-lo?

Se samba tiver filosofia, acredito que eu não deveria entrar nessa discussão. Nem me meter a pensar sobre o samba. Logo eu que queria compor um samba em silêncio.

Deixo o samba para os sambistas e me comprometo a não teorizar mais sobre ele. Melhor assim. Antes que o samba não faça mais sentido para mim.

14 de novembro de 2006

Dá pra entender? Bem vindos à Gonzolândia! Salve Hunter Thompson


Este será um texto sério. Cheio de virgulas e palavras concretas.Minha mãe não me pertence mais.Racionais mc´s 02. O mundo livre me tem como vocalista, o cantor Fred 04. Mas eu sou metade e por isso 02. Metade de Fred04 eu sou.
Metade Fred04 eu sou.
Fred 04 metade eu sou.
Eu metade 04 Fred sou
Zero 04 é o dobro de mim.
Dobro de mim Fred04 é.
Duas vezes de mim, Fred04 é
Relaxa,balança, dança.
Lá,lá,lá!!!!
Cerveja azul é Antarctica, cigarro LM também é azul.Marisa monte é azul? Se sim, Arnaldo Antunes é verde e tropeça sem medidas em Fernando. Pleno show do seu Jorge, vulgo Mané Galinha.
E o Carlinhos Brown é marrom, porque é negro. E ele é bonito, e tem uns dreads bem legais.
Tudo isso não tem valor sem ter você, porque você tem o perfume das rosas e vale qualquer canção vagabunda. Menos ainda, vale tanto quanto um texto mal escrito da Márcia louca. Aliás você não merece texto algum. Você merece uma frase publicitária bem porcaria.
Quando eu te vi achei que você tinha um tênis amarelo. Mas o tênis era azul. E assim a gente entra na discussão novamente. Discussão, eu gosto. Política, pessoalmente, tanto melhor!!
Aliás, o que eu queria dizer com isso mesmo?

13 de novembro de 2006

Filme. (com o perdão de Lilian Ross)

Hoje eu queria ver um filme bem previsível. Daqueles cujo final o mocinho fica com a mocinha e todos são felizes para sempre. Que o problema é um desencontro em qualquer lugar, ou melhor, desencontro que é, não há de ser em lugar algum. Um filme que não tem história, nem filosofia e que o maior problema é como chegar até o outro. Um filme assim, bobo.
Sabe!? Eu sabia que isso ia acabar acontecendo!

E, na verdade, eu acho que tenho medo! Medo de verdade.

3 de novembro de 2006

Diálogos torpes e entorpecidos.

[as vézes os diálogos saem imprescindivelmente como são pensados]

- Os hipopótamos estão em extinção?

(longo silêncio)

-Eu nunca vi um hipopótamo!

24 de outubro de 2006

Eu sou uma mistura de vontades!

é isso!

23 de outubro de 2006

A nossa raiz caipira

No lobby do Centro Cultural Vergueiro, era possível avistar uma fila que conduzia ao salão de shows. Já se entoava uma música doce, um tilintar de instrumentos delicados que sacudiam de leve os pés do público enfileirado. Podia-se ter a impressão de que muitos não conheciam, ou não sabiam o que os esperava, de outros, a felicidade no rosto denunciava o encontro de amigos que ali se consumaria.
Ao entrar no salão era possível perceber a ansiedade de alguns e a curiosidade de outros, transeuntes que ali foram levados pelo tocar macio da viola ainda em teste. Devidamente sentados, o espaço da platéia foi tomado pelos dançantes de trajes coloridos, que invocavam poemas ritmados, dançando ao som de sua própria cantoria. Os brincantes dão espaço ao som da viola caipira, reforçado pelo som da sanfona regida pelo mestre cego. Houve aqui a prova silenciosa de que a arte é regida mais pela sensibilidade. O cantador, Oswaldinho Viana, falava da saudade que se tem de um lugar. Mas o público percebeu que essa saudade deveria existir para que ele pudesse cantar esse lugar. Esse que é a saudade de todos nós, da gente que vem do interior, ou das raízes que um dia plantaram por nós lá. Marisa Viana depois se confirmaria paulistana e cantante do interior, dessa saudade que alguém por ela plantou lá. Enquanto os músicos estavam no palco, o silêncio na platéia era absoluto. Dava para perceber aqueles sorrisos de lado, como quem se deixa levar pela música, ou se encanta quando ouve um acorde bem tocado.
Uma infinidade de 25 músicos revezaram-se no palco, com os mais diversos tipos de instrumentos. A voz doce de Marisa misturou-se ao recado da alfaia, aos sons de sua percussão interiorana, ali de onde se ouviam passarinhos e o som dos sinos dos ventos levavam a gente pra longe de São Paulo, ali em plena Vila Mariana, do lado da Avenida Paulista. Oswaldinho, ele também silenciou ao evocar Piraju, sua cidade natal, falada em tantos versos, a cada estremecer das cordas da viola. Foi acompanhado pelo violino, que com se lamento triste pôs espectadores, inclusive esta que vos fala, a chorar.
Era uma saudade que pertencia a todos aqueles que saem de casa para buscar uma vida que ainda não se conhece, mas que se constrói porque a própria vida, essa não pára nunca, e tudo o que dá é saudade.

17 de outubro de 2006

é!

Eu queria ter um cachorro!

16 de outubro de 2006

Observações.

Esse é um tempo nefasto de homens entristecidos. A Era que manda notícias e nunca tem tempo.

Desesperanças no pé do ouvido e gosto amargo na boca.

Tempo de conflitos e politicagem. Tempo da máquina sobreposta ao homem.

Tempo da diversão programada. Dos sentidos e sentimentos calculados.

Esse é um tempo que não se é permitido esquecer. É necessário vingar e vingar-se.

Tempo de frases curtas, pensamentos longos e ainda assim, obrigatoriamente ágeis.

Uma mistura de vidas, de buscas e desejos inalcançáveis. Tempo de fuga e fugacidade.

Sobriedade servida em bandejas e oferecida aos quilos. Como tudo o que deve ser exagerado.

8 de outubro de 2006

E hoje essa cidade tem um cheiro e um gosto diferente.

Tem um sol bonito lá fora, e tem o clima das tardes do meu interior. E esse dia desperta a vontade de fazer tantas coisas, de estar em muitos lugares.

Vem da falta que estar lá me faz. E vem da sobra da nostalgia que vivemos ontem. Há algumas horas.

Mas esse cheiro e esse gosto andam me confortando. Traz na minha pele uma sensação familiar e mesmo assim inenarrável.

"Tem certas coisas que eu não sei dizer"

2 de outubro de 2006

Muda que muda que a vida é curta e a gente tem tempo não!

Muda que o tempo não pede licença e nem assovia quando pede perdão.

Muda que muda que o vale na vida é a “experimentação”.

Muda que muda o presente, constrói o futuro e deixa o passado só pertencer ao coração.

Muda que a gente gosta de ver. E paga por isso.

Muda que eu to atrás de você esperando para saber se deu certo ou não!

Muda que o risco vale mais que o senão!

Muda que o corpo pede, a alma cobra e a saudade investe.

Muda.

Muda.

Mude.




Vai ser gauche na vida. [De uma grande amiga para mim]

25 de setembro de 2006

Diálogo do avesso

- Não, não! Eu não sorri não! (Sem graça). Só dei uma olhadinha de lado para ver se eu via.

- Via o quê?

- O seu sorriso de lado. Você sorriu não sorriu?

16 de setembro de 2006

Uma cena qualquer.

Ela entrou pela porta, cansada, foi se livrando das coisas que pendiam sobre seu corpo e, delicadamente, em uma bagunça quase milimetricamente pensada, repousou as bolsas e pacotes pelo chão. A face mirava o assoalho e a visão não possuía qualquer objetivo. Não acendeu a luz. A claridade que vinha da rua parecia sutilmente mais bem vinda e delicada.


Caminhou até a cozinha e pegou uma taça e uma garrafa de vinho. Sentou-se ao sofá e derramou sorrateiramente o liquido púrpura nas encostas do copo de espessura fina e fria. Encostou sobre os lábios e pôs-se a sorver o líquido como quem absorve a própria vida. O silêncio era suficiente, o barulho dos carros e a música orquestrada da cidade que termina o dia, tocavam uma harmonia que ela quase podia bailar. O silêncio da observação.

Insistentemente tomou o jornal do dia nas mãos. Limitou-se a ler seu horóscopo que insistia em demonstrar a previsibilidade da astrologia e a consulta inútil sobre seus próximos passos. Era o pedaço de uma história que ainda ninguém havia escrito.

Deitou-se. Cerrou os olhos e ainda assim era possível sentir a lágrima salgada e quente que contornava as curvas da face. Era o dia seguinte que ela esperava chegar. Esse dia que sempre espreita à nossa porta, mas que em chegando, nada mais é que esse mesmo dia em que se espera o que virá depois, dali às outras vinte e quatro horas.

De bruços na cama, sentiu o cheiro macio do lençol que acabara de chegar da lavanderia e que ela havia disposto sobre o colchão de maneira que não o amassasse. Adormeceu.

O sono tranqüilo foi interrompido por um toque que massageava carinhosamente sua testa, no curto espaço acima do nariz e entre os dois olhos. E, com dois olhos negros também se deparou assim que se dispersou da sonolência. Era ele.

Havia acabado de chegar e cumprir um trajeto que observava cuidadosamente os passos dados por aquela que ele conhecia tão bem. Quase podia imaginar seu rosto e a expressão lânguida que a tomou assim que entrou pela porta de sua casa. Deitou-se ao seu lado na cama, por ora, quente. Olhou-a longamente, até resolver acariciar-lhe a tez adormecida. O silêncio fora quebrado pelo jazz ronronando na vitrola antiga. Era possível ouvir as pequenas imperfeições que a agulha do aparelho causava nas ondulações do velho disco de vinil.

Assim ficaram durante longas horas. Olhando-se como se o mal-fadado passar do tempo não lhes tomasse de assalto. É esse o medo de quem não quer ir embora.
Abraçaram-se com cuidado. As palavras foram adiadas para o próximo encontro, que também assim, deveria ser, sem circunstância propícia ou planejada.

Despediu-se sem nada prometer. E ela assim o queria, sem juras curtas de um amor infindo. A surpresa agradava mais que o compromisso acompanhado de flores vermelhas. Foi-se assim.

Ela, tendo ficado, tomou mais um gole do vinho e dormiu sobre os cheiros confundidos, deixando o saxofone tripudiar sobre a dor que não a havia alcançado.

10 de agosto de 2006

"Rio, quero ser a curva que contorna a Urca, ou aquilo que remete ao samba, Rio, quero ser a crista que contorna a onda, e quebra em mim"
(Paulo Vigu)

Assim, sem explicação nenhuma, tive saudade do Rio de Janeiro. E explico a falta de motivo. A cidade é bela, belíssima. Dona de paisagens que jamais vi iguais nos meus curtos 20 anos. Estando lá, desisti de um dia morar na cidade maravilhosa. Eu que sempre morei nessa hipótese. Mas preferi a prisão workaholic da também São Paulo. Não tenho nenhum vínculo afetivo com a cidade, além do de ser brasileira. Praia não é meu passeio favorito, já que prefiro a montanha e o frio.
Eu sinto falta do cheiro de maresia que qualquer cidade banhada pelo mar possui. Mas que lá é diferente. Talvez porque no caminho, ainda na Dutra, fiquei construindo um Rio de Janeiro imaginário. Cheio de pré-idéias que construía em minha arquitetura subjetiva de Rio de Janeiro. Eu sinto falta do que sem querer, aprendi. Das bermudas passeando pelas ruas e dos bares com mesas na calçada. Estátuas históricas desfilando pelas calçadas ornamentadas pelas tradicionais ondulações azuis. Qual o mar que nem sequer pus os pés e deixei assim uma irmã inconformada. Sinto falta das risadas que dei com uma amiga enquanto passeava por bulevares repletos de arvores frondosas. Algumas coisas eu consegui entender. Coisas que eu imaginava através das músicas que narravam o lugar. Das pessoas mais despreocupadas. Das favelas que se mostraram iguais ao que sempre vi em pérolas do cinema nacional e da minha vontade de entrar para ver e conhecer. Mas não uma curiosidade dos que vêem a pobreza como atração turística da esquerda. Mas saber porque enfim eu não nasci ali, mas aquilo indiscriminadamente mora em mim. Assim como todo o Rio. Não pertenço a ele.Mas ele a mim, ah, isso sim.

21 de julho de 2006

Vinho. Cigarro. O agora e o daqui a pouco. O que eu espero e o que me surpreende. Eu sonho acordada. Eu sonho dormindo. Eu sonho o tempo todo. Não há quem resista à incapacidade de sonhar. Espero. Aconteço. Devagar. Sempre. Em frente. Acostumo-me, mas não deveria. Não me acostumo. Quero. Abdico. Tudo o que será. Tudo o que não é. Palavras vazias. Texto completo. Não fiz. Eu quis. Deslumbre. Ceticismo. Falta encantamento pra ver a poesia da rua. Sobra alegria com pouco. Engano e desengano. Acredito e acredito. Duvido, mas é por pouco tempo. Eu encho a página de palavras. Eu entendo. Eu questiono. Eu tenho de me acostumar. Não sei viver sem algumas coisas. Outras preferia não ter. Eu não choro mais quando ouço aquela música. E nem sorrio mais quando leio aquele poema. Ônibus todos os dias no mesmo horário. Caminhadas pela mesma rua. Elaboro teses. Descontruo teses. Leio. É pouco. É tudo tão pouco!

14 de julho de 2006

"sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 2006"

Estou aqui fazendo as malas. Colocando todas as roupas que julgo importante e que estão espalhadas pelo chão do quarto. De repente me dou conta da bagunça que está o meu quarto. Não só o quarto. A casa toda. É o meu próprio retrato. Jornais espalhados pelo chão e empilhados por sobre um banco. Os livros que eu não consigo parar de comprar. Os discos que ganhei e que até agora não coloquei no aparelho de som para ouvi-los. Posso estar perdendo uma grande descoberta musical. Mas é que agora eu prefiro ouvir aquelas canções que eu já decorei e que estão gastas. Também é o meu retrato. Medo de descobrir o novo, mas ansiosa por ele. Só que ainda não coloquei no aparelho de som. Sempre gostei de ficar sozinha. Só assim é possível descobrir. Hão de perguntar se há algo a ser descoberto. Sim, claro que sim. Tudo está a ser descoberto.
Fico aqui pensando se não há algumas coisas que eu deva mudar. Tipo colocar os livros na estante e separar os discos que eu ainda não ouvi. Mas gosto deles assim. Espalhados, esperando que um dia eu olhe para eles e diga que chegou a hora. Todas as coisas que eu não vivi e todas as coisas que eu já vivi. E que hoje são sorrisos. E lágrimas. Mas que foram coisas em si. Existiram. Mas agora eu preciso terminar de arrumar as malas.


em tempos de guerra eu é que não quero ficar calada.

19 de junho de 2006

RUAS

Há quem diga que as ruas têm coração de pedra, mas ali, por entre elas, era a minha vida que eu via passar pelos meus olhos. Cada uma em que adentrava me contava minha história, respirando por entre as frestas dos paralelepípedos sufocados pelo asfalto. Não foi pedra que eu vi por ali. Passeando pela cidade que há muito sentia falta. Foi vida.

Eu consegui ver minha infância nas ruas que circundam as praças. Pude me ver menina, fazendo descobertas, deitando no chão e olhando as copas das árvores e as flores que prendiam nos meus cabelos longos. Mesmo escuras, lembrei da luz que o sol trazia e aquecia minhas tardes à beira do rio. Entrei por entre ruas e ouvi o som da voz dos meus amigos inventando brincadeiras. Revivi minhas incertezas enquanto descobria meus amores. Foi nos seus cantos escuros que eu me escondi. Foi por entre elas que meu caminho começou.

Hoje sinto que as deixei pra trás. Assim como quem passa e abandona um pedaço de si nos corredores vazios de luzes amarelas. Deixei para trás o que me serve para construir os caminhos que hoje traço. Em busca de outras ruas me senti sozinha. Procurando um futuro prestes a iniciar-se.

Naquelas ruas eu vi tudo o que sou e entendi. O tempo não me castigou, apesar de ter me roubado as ruas em troca de outras. O tempo me deu o que chamamos de lembranças. E eu me presenteei com todas as minhas conquistas. Com todos os meus sorrisos e lágrimas. Todos os medos, incertezas. Todas as músicas e poesias que aquelas ruas me deram quando procurei por elas.

Não há de ser pedra o que a rua me contou.

5 de junho de 2006

A Louca de Higienópolis – Parte 2 – A pensão da Barão de Tatuí.

Uma boa história nunca acaba. Ao menos para quem fareja fatos novos ainda desconhecidos.
Por um caminho nunca dantes percorrido, o bairro a princípio é Higienópolis. Saindo das ruas que na maioria das vezes tem nomes de estados brasileiros, entro no famoso Bela Vista. Centro de São Paulo. Ando por ruas cheias de prédios soberbos que depois contrastariam com o lugar que procurava.

Esclarecimento à população: Seu Salvador e suas inquilinas não são doidos! Pra dizêr qué, eu, márcia não morava lá, eu um quarto e cosinha sósinha. Até: morei. Muitos anos, lá. Morei 15 anos e 7 meses na pênsão dele desde 1984 até 1998. agosto.

O combustível da curiosidade foi a dúvida de quem descobre um lugar mas questiona sua existência. Com um endereço nas mãos, chego ao pé da rua que começa em outra, Jaguaribe. Desço atenta à numeração. O garbo é deixado para trás. Chego enfim ao endereço riscado no papel. Rua Barão de Tatuí, 493. A primeira reação foi o espanto. Causado pela verdade de um lugar que existia, até então, somente em folhas de papel manchadas de tinta de caneta. Uma pensão marrom, silenciosa. O lugar possui três portas. Uma por onde entram as inquilinas, outra comercial ou algo que lembra uma garagem e a terceira que parece dar acesso à casa dos donos. Na primeira porta de entrada uma placa: Aluga-se vagas para moças. Diminuo a marcha, exatamente à frente do número 493. Do meu lado, uma janela de onde se é possível ouvir uma música lenta, que não identifico. Ambientada por uma meia luz suspensa no teto. As paredes têm cor de tijolo cru.

São Paulo 27 de maio 2006. Aqui sou eu. Márcia da pensão de seu Salvador. Barão de Tatuí 493. Estou morando na rua desde 09 de agosto de 1998. Quando puseram energia atômica pra me matar na Barão de Tatuí 493. Julho Agosto 1998.

Sem saber ao certo o que fazer, entro num bar. Penso em perguntar algo sobre a misteriosa pensão, mas desisto. Todos estão muito ocupados assistindo ao futebol na televisão. Então volto. Passo na frente do lugar novamente. Dessa vez há uma senhora na porta, que acaba de chegar de seu trabalho. Sorri para mim. Ela tem nome de santa e me deixa à vontade. Pergunto a ela se conhece a Márcia, aquela que escreve e prende seus textos no muro da Avenida Higienópolis. A senhora responde como quem tem pena. Conhece e conta que a escritora foi “enxotada” da pensão. Relata que o dono, cujo nome aparece frequentemente nos textos, não perdoa sequer um aluguel atrasado. Conta também que ouviu falar que Márcia usava drogas. A senhora mora ali há quatro anos e meio e não é contemporânea da “louca”. Descubro que no natal do ano passado a poetisa deixa uma carta na caixinha de correio. Amaldiçoa os moradores e promete vingança.
No caminho de volta, me deparo com uma árvore circundada por mais textos de Márcia. Tiro da árvore e vou embora, cheia de possíveis histórias na cabeça. Agora, depois do contato com a pensão, ainda mais pulsantes.

26 de maio de 2006

Sobre como olhar o caleidoscópio.

“Eu não tenho medo, eu não tenho tempo, eu não sei voar”.
[Zeca Baleiro]


Às vezes a gente pensa que não se conhece e isso se torna uma máxima. Tanto é verdade que, diante de uma pergunta sobre o que há de mais verdadeiro em nós, um branco imediato toma conta do pensamento. Faça o teste. Eu não me conheço mesmo. Eu acho. Eu mudo. Eu anulo. Eu construo. Eu gosto.
Alguém poderia me fazer o favor de passar a fórmula da organização juntamente com a cartilha que ensina como se constroem objetivos fixos? Os meus não me bastam. Tenho a impressão que minhas vontades andam espalhadas pelas ruas me procurando e, quando passo por elas, assim como quem passa ao lado de um poste, elas se fixam em mim, viram minha vida do avesso e constituem-se como os novos planos pra vida inteira da última semana. Acho que viver é olhar pelo caleidoscópio cuja abertura nunca nos vai mostrar as mesmas figuras que desde as mais complexas e belas até as mais simples, nunca se repetem. Assim é o cotidiano da inconstância humana, cronometrada por minutos imutáveis e intransponíveis. Não temos muitas chances de arrependimento, mas temos a expectativa de futuros “bem aventurados”, de novas cores e formas. Embora isso seja pouco. Eu quero é olhar através do meu caleidoscópio para ter a certeza de que as figuras não se repetirão de verdade. Eu duvido. Eu pergunto. Eu acredito. Eu abandono.

“Precário, provisório, perecível; Falível, transitório, transitivo; Efêmero, fullgás e passageiro; Eis aqui um vivo”.
[Lenine]


Eu amo as pessoas por um tempo, apesar de intenso, dura pouco. Não me limito a uma quantidade de amores - todos eles de todos os tipos e sabores - adquiridos. Quero centenas deles por metro quadrado. Só assim é possível surpreender-me.
Não sei como funciona o lema de “pessoas pra vida inteira”, pode soar com frieza, mas a importância das pessoas que fazem parte do que a gente é, é também mais relevante no momento agora do que décadas adiante. Sentimentos mudam, não anulam, mas modificam-se como as pedrinhas coloridas do caleidoscópio. É só girar. Eu giro. Eu mexo. Eu congelo a cena do filme. Mesmo que seja por pouco tempo.

4 de maio de 2006

Na Argentina.


A viagem surgiu de uma pequena idéia entre amigos, aliada a projetos acadêmicos que testaram meus conhecimentos de formas bastante distintas.

Em primeiro lugar a lingua e a velocidade com que é falada se mostrou um pequeno obstáculo e, pensando bem, apesar da barreira perfeitamente transponível, me senti culpada de conhecer mais o inglês que o idioma falado em toda a América Latina, meu território.

Depois veio a comida portenha. A europeização é exposta claramente assim que se olha para um prato de refeição. Batatas, batatas e mais batatas. E, pelas ruas largas da capital argentina, cafés, cafés e mais cafés.Embora o café tenha me parecido um bem de luxo, caro como ingerir ouro verde ou negro.

Estranhamentos primeiros a parte, é só olhar pra cima e ver o céu. Sim, sim, temos um céu muitíssimo belo mas o céu de lá era de um azul infindo e homogêneo. Penso comigo que há de ser realmente claro o céu de uma cidade intitulada Buenos Aires.

Há um forte apego ao passado no país de heróis como Perón, Evita, Che Guevara e outros tantos paladinos anôminos que um livro seria pouco para listar. E a luta não cessa, nunca.

Noção de espaço. As vezes, em São Paulo, não dou um passo sem perguntar para ter certeza dos caminhos que me levam ao destino traçado. Em Buenos Aires não fiz diferente. Mas, a priori, assustei-me com a tamanha precisão pela qual um senhor me explicou como se chegava a uma rua X. Número exatíssimo de quadras e caminhos infalíveis de transportes coletivos.

Também é bonito pensar que lá, as pessoas esperam muito mais gentileza e ganham muito mais dela do que os brasileiros, conhecidos como hospitaleiros.

Praças, muitas delas, onde habitam populações inteiras de pombas alimentadas da doação de pais que levam as crianças para passear e dar milho a esses animais.

E havia um carrosel. Que ficava mais bonito quanto mais escura a noite fosse. Com suas pequenas luzes coloridas espalhadas ao seu redor. Funciona agora na minha memória como uma caixinha de música cuja melodia eu escolho e posso segurá-la nas mãos.

18 de abril de 2006

Precisamos criar o hábito de parar.

Pare agora. Por um minuto deite a cabeça no travesseiro. Essa é uma boa técnica de des-organização. Necessária para a posteridade.

Pare depois. Desde que o tempo voe. Pare quando você menos precisar.

Pare para parar de pirar. Pare para parar o parado. Pare para parar o pé.

Pare para descansar.

9 de abril de 2006

A louca de Higienópolis.

por Priscila Basile


A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.” – Manoel de Barros
Loucura – falta de discernimento; irreflexão; absurdo, insensatez, doidice, louquice.
- Do Aurélio.

Essa poderia ser uma história de uma menina trazida do Rio Grande do Norte, da pequena cidade de Canguaretama. Aos sete anos foi levada com o incentivo dos pais ao Rio de Janeiro. Aos 15, foi trazida de lá para a capital paulista. Mas poderia ser, não se sabe se é.

Seu Paulo eu não sou maluca nem sensitiva. Nada de paranormal. O senhor com sua família me trouxe sim. Do Rio de Janeiro quando eu tinha 15 anos todos éraram. Meu pai errou mandando me buscar de Canguaretama cóntra minha vontade. Vocês eraram me trazendo do Rio para São Paulo. Por que? Não se rouba gente. Nem nada.

Grita-se nos muros da Avenida Higienópolis, localizada no suntuoso bairro homônimo, palavras de uma tal Márcia ou Tereza que, todas as manhãs faz da escrita sua cachaça. Estende-se nos portões de um clube luxuoso dezenas de folhas repletas de poesia. Há quem conteste seu lirismo, há quem não acredite nele. Talvez por não entendermos ou por procurarmos lucidez em tudo que nos cerca, torcemos o nariz para os delírios reais dessa personagem urbana.
A primeira descrição física da chamada louca de Higienópolis poderia ser esta – uma mulher loira que faz suas próprias roupas – mas talvez isso lhe fosse insuficiente. Existe algo de lúdico na construção de suas formas. Olhos cansados, às vezes assustadores, em meio aos fios loiros de cabelo. Ela abusa das fitas, de tecidos brilhosos e de um rádio que vive pendurado em seu pescoço emanando Bethovem, Mozart ou Strauss. Poder-se-ia pensar em uma boneca espalhafatosa andando pelas ruas. Não. A organização dos elementos é de uma simplicidade quase doída. Uma Macabéa paulistana cuja hora de estrela são seus textos afixados sistematicamente com galhos nas grades do tal clube.

Esclarecimento à população: eu márcia aqui : morando na rua saia verde camiseta verde blusa rosa loura.

A descrição subjetiva é impossível de se delinear. Embora se comunique pelo olhar, pela fala às vezes rude, seus manuscritos comporiam o que de mais importante ronda a história de vida dessa mulher. Embora com a pontuação complicada, algumas palavras mal alocadas, há uma consciência de mundo que cerca as obras. Nomes de instituições, governantes, mesmo usados de forma hostil, saltam do papel a todo instante.


tá pensando que eu sou sensitiva de gáris josé serra? Vigaristas da prefeitura pé de chinêlos. tá pensando que eu sou doida prefeito de são paulo? Irão de arrepender eu juro! Sou vingativa pagarão. Odeio.

Outro fator curioso, agora quase mágico são nomes de seus possíveis amores, familiares, anfitriões e personagens desconhecidos. A curiosidade maior é de quem a lê e pára para averiguar na internet a verdade detrás dos títulos. Se a teoria de que só se existe se estiver na rede, encoraja desbravadores. Digita-se um nome em sites de busca e lá está ele. Homem, aprovado com a maior nota em um concurso para a vaga de carcereiro em São Paulo. A descoberta acaba por aqui. Outro nome, mulher, empresária que promoveria um leilão de jóias em Sergipe. Através dela se chega à outra pessoa de mesmo sobrenome. Nascida em 56, sem curso superior, é babá, artesã e mora no Jardim Paulista. Um número de telefone aparece na tela. Os curiosos perseguem as pistas como quem ronda ou descobre grandes fatos acerca de uma suposta grande história. Durante a ligação e do outro lado da linha identificada pelo endereço, uma voz feminina balbucia e afirma não haver ninguém com o nome exposto no currículo. Balde de água fria. O melhor seria não procurar lógica em algo que existe por si só.

Jamais colocaria um palito na minha boca jamais tirei comida dos meus dentes com á línguá, não sou porca. Usava nos meus dentes fio dental. Nunca pús minha línguá na minha bochécha nunca usei dentadura nunca tive tic, nervoso na boca.

Todas as manhãs, perseguimos os textos deixados pela escritora que faz da rua, sua mídia. Provavelmente o faremos até que existam por lá. Há dias em que somem, penso se não há mais algum fã, além de mim e dos que já conheço. Encantados por uma história que poderia ser a da vida de alguém, caçamos densidade em algo leve e impalpável. A existência. Ela que desconstrói seres humanos, seus caminhos e trata de impor lógica aos mais sensíveis.

2 de abril de 2006

Projetos distintos não devem ser pesados na mesma balança.

Há que separar-se desejo e responsabilidade. Cada um em sua metade da balança. Embora talvez devêssemos pesá-los em balanças distintas.

O desejo e a responsabilidade devem ser separados, etiquetados, catalogados e depois, guardados em distintos compartimentos de armários ou arquivos a que sirva vistoriá-los em dias quaisquer.

O relógio deve então parar de correr. Há de se ter escolhas que priorizem o prazer. Pode ser que alguém pense: o desejo virá sempre antes da responsabilidade.

Nem sempre.

Há que prefira a responsabilidade ao desejo, ou, há quem tenha desejo pela responsabilidade.

Geralmente o ser humano, esse objeto duplo, repleto de significações e sentidos possui balanceadamente as duas opções. O que deve ser evitado, no entanto, é o atropelamento de um pelo outro.

Mas, o tempo existe. Involuntariamente somos pautados pelo andar alvoroçado dos relógios e suas conseqüências. Escravos? Quem sabe. O que se tem certeza é que realmente não podemos escolher a que horas vem um e a que horas começa o outro.

Há de se optar pelas escolhas, novamente. Escolher alternativas pré-estabelecidas por normas que a gente mesmo se impõe. E se não as houvesse, o que decidiríamos?

27 de março de 2006

Terrivelmente iguais são os fatos que cercam as pessoas. Olha lá na rua pra ver. Trânsito, megalomania, gritos e sussurros de quem não tem pra onde ir ou não sabe para onde vai.

Não há caminhos para quem não visualiza estradas. E infinitas são elas.

Não há de se pensar em passados mal construídos aliados a erros cometidos. Incrivelmente melhores são as previsões sobre o futuro, embora deixem obscuros os feitos presentes. Ausentes. Parte de ansiedades que habitam os mais obtusos lugares de quem faz da busca, uma constante.

O choro rasgado não aperta o coração, mas os olhos e a garganta. É nó e é lágrima oscilante nos cílios inferiores.

Há de procurar ciência para explicar a contenção da subjetividade. E não há ciência que abençoe abstrações. A benção vem antes de existir a teoria. A teoria perdeu espaço nas telas de computadores e na necessidade prática e emergencial do tempo agora.

A música pediu o silêncio. Eu silenciei.

20 de março de 2006

Eu nunca, mas já.

Eu nunca desfaço a mala. Porque eu prefiro viajar. Ou talvez porque eu prefira estar em todos os lugares. Não precisa ser ao mesmo tempo. Mas precisa mudar. Sempre.

Eu nunca fecho a janela. Porque eu prefiro deixar o ar entrar. Ou talvez porque eu sofra de claustrofobia e não saiba. Não precisa ventar. Mas o ar precisa circular. Sempre.

Eu nunca varro o chão. Porque eu prefiro sujar. Ou talvez porque eu tema perder alguma coisa. Não precisa me mandar. Mas às vezes eu limpo. Sempre.

Eu nunca ponho o chinelo. Porque eu prefiro andar descalça. Ou talvez porque eu queira sentir a temperatura de onde piso. Não que eu ache meu sapato. Mas eu me calço pra sair. Sempre.

Eu nunca ouço o telefone tocar. Porque eu prefiro encontrar. Ou talvez porque meu telefone esteja com defeito. Não precisa me ligar. Mas lá está o celular a tocar. Sempre.

Eu nunca planejo com antecedência. Porque eu prefiro me atrasar. Ou talvez porque eu realmente não consiga planejar. Não que eu tente. Mas a última hora está lá a me espreitar. Sempre.

Eu nunca me desconheci. Porque eu prefiro descobrir. Ou talvez porque hoje eu não esteja aqui. Não que eu esteja lá. Mas talvez lá seja outro lugar. Sempre.

16 de março de 2006

Eu tenho a impressão de que a cidade fica bem ali. No parapeito da minha janela. Basta subir,debruçar, olhar pra baixo e assim, ver as milhares de luzes de milhares de lugares que ninguém sabe ao certo o que é.

A cidade está cantando. Uma harmonia mal planejada, sinfonia confusa. Dedo e buzina. Mas,afinal, de quem é a esquizofrenia? Do dedo ou da buzina?

A situação do ar está regular. Mas daqui a pouco chove. E nada como a noite de São Paulo depois de umas horas de chuva.

Enquanto isso,o menino de rua se esconde debaixo do viaduto. Mas é empurrado por algumas rampas, feitas de material áspero e pontiagudo. E isso machuca o menino. Melhor ficar com a chuva ou procurar algum ponto de ônibus, mesmo que esteja lotado. É só esperar.
O difícil é não ter itinerário nenhum pra esperar. Ser só pra não se molhar.

E a sinfonia continua, embora o vidro do carro esteja fechado.
A obra continua a crescer, embora ainda não tenha dono.
A chuva continua a cair, mesmo que o frio já esteja aqui.
Mãos continuam estendidas, ainda que estejam vazias. A minha e a sua.

Logo mais, vai passar aqui embaixo da minha janela, uma multidão. Façamos silêncio.

13 de março de 2006

De que adiantaria ficar parado se, mesmo assim, e, apesar de tudo, lá estaria o mundo a girar e movimentar-nos, mesmo sem querer.

E de que adiantaria esperar o mundo girar sem, nem mesmo, mover-se, nem que fosse para descobrir uma nova pessoa.

Cá estamos nós, a tentar desvendar o mistério da civilização, nascida entre lutas de poder e perpetuada as custas de invenções mirabolantes sobre o futuro.

9 de março de 2006

Boca de lixo. De luxo tardio. De tempo vadio . De sol apagado e chuva reinando. De árvore parada com vento estático.
Não há brisa remanescente. Nem temporal de fluxo reluzente.
Itinerante de suas ruas de poetas maltrapilhos.
Vagando atrás de verdades vendidas em potes de supermercado, ou lojas de atacado.
A verdade é vendida no varejo.

No caminho se encontra a pergunta. Não a resposta.
As respostas vem antes das dúvidas.
Dúvida que endivida o indivíduo.
Único.
Amador de situações e situacionismos.
Há que reinventar-se pra tornanr-se colorido.


[texto duro, de palavras sonoras deslocadas e dançantes. entre páginas virtuais]

2 de março de 2006

[Eu não sei dizer nada por dizer
Então eu escuto
Se você disser tudo o que quiser
Então eu escuto

Fala
Fala
Se eu não entender, não vou responder
Então eu escuto
Eu só vou falar na hora de falar
Então eu escuto
Fala]

Cala a boca de palavra falha. Só olha. Folheia meus olhos e leia meu pensamento.
Falta uma palavra que cala , em silencio. Uma palavra que explique e outra que se desculpe.
A palavra que finda a dúvida que tira o sono, desperta do sonho e adormece a alma.
Para uma alma as palavras não fazem diferença ou sentido.
Mas, cá pra mim, eu procuro uma palavra definitiva.

26 de fevereiro de 2006

[eu quero é botar, meu bloco na rua, girar, botar pra gemer. Eu quero é botar, meu bloco na rua gingar, pra dar e vender]

E o bloco passou no meio da rua já cheia de espíritos do Carnaval. Desceu a ladeira e foi parar na boca do

rio. Iara fez festa pro Quem Gosta passar. Cantou, cantou, cantou. Espalhou cores e tambores. Tambores

sempre mandam recados. O bloco deu o seu.

1 de fevereiro de 2006

Madrugada. Silencio. Luzes amarelas e ruas vazias. Ar respirável, todo ele a plenos pulmões.
Consegue ver esse cenário? Misterioso.
De longe, algumas conversas escondidas, baixas, quiçá ilegais.
Esse é o silencio dos que não dormem. O habitat de quem tem a noite como parceira.
Lua, tão cosmograficamente satélite. Objeto de discussão para quem as palavras faltam. E falham.
Sorrisos contaminados embora sinceros.
Poucas luzes (quem dera fossem de lamparinas, quem dera...) em casas onde reina o sono dos que trabalham antes do sol nascer e se despedem do dia quando ele se põe.
Enquanto isso , em algum lugar do mundo, alguém se encontra com seus próprios eus e circuntancias.
Na madrugada....

27 de janeiro de 2006

para novos e desconhecidos amigos

Os conhecidos desconhecidos são muito bem vindos.
Certamente porque eles chegam muito perto e fazem a gente pensar e querer descobrir ou encobrir coisas que, antes, eram silenciosas.
Não são óbvios, são inimagináveis. e possuem cores, umas Amarelas, outros tem olhos negros.
as trocas são ricas e com mais comunhão do que seria normalmente com a pessoa mais próxima e conhecida que imaginamos. por isso, bem vindos!
desvendem-me.

26 de janeiro de 2006

O fato é que eu remoia algumas lembrancas.
Não porque fossem boas ou más, mas porque elas me pertenciam.
Não há bom momento que não vire boa lembranca que, ao consultá-la, faca emergir da face um sutil sorriso.
Assim como não há má lembranca que deixe de espremer violentamente o coracão dentro do peito.
Mas essa não é a questão principal.
A principal questão é que elas me pertencem e, talvez sejam, acredito que o são, só minhas.
Elas me constroem a cada dia. Guiam escolhas e moldam minha maneira de acordar.

23 de janeiro de 2006

Demora pra gente perceber, mas quando descobre, tudo fica maior e mais colorido. Como existe gente interessante nesse planeta ( sim, sim, eu também acho que deve existir criaturas sensacionais fora dele).
Gente das mais variadas formas e gostos. Que gosta de música e de silëncio. De batucada e de guitarra.
Gente que põe flor no cabelo e anda descalca. Que olha pro céu e procura constelacão. Que gosta de rio mas não dispensa o mar.
Gente que pinta o cabelo e gente que nem penteia. Que toma banho mas prefere a água fria da cachoeira.
Gente que acredita em sonhos e gente que não sonha nem dormindo. Que leva vários tombos mas que comemora pequenas vitórias. Que olha e vë e, outros que se fazem de cegos.
Gente que le, não entende mas não desiste. Que desiste mas ainda assim continua vivendo e sendo importante para algumas pessoas.
Todo mundo é importante.
Todo mundo fica triste.
Todo mundo pensa.
Todo mundo ama ao menos uma pessoa.
Alguns não sem importam. Outros fazem do altruísmo sua mais evidente virtude.
Alguns mudam o tempo todo. Outros preferem permancer como são.
Alguns preferem lua e, outros, sol.
Se o gosto se discute? Sim, sempre. Nada melhor que uma conversa polarizada, troca de idéias e, em algum ponto, ambos concordam, sempre.

14 de janeiro de 2006

Tem uma frase, em algum texto no qual a autora afirma que está sempre se procurando e , quando se encontra, descobre que mudou de endereco. Sentir-se assim creio que seja tão absolutamente humano que até incomoda um pouco, porque, sem querer voce se descobre demasiadamente igual até mesmo às pessoas que voce despreza e procura entender porque, no mundo, essas pessoas existem. pode parecer estranho mas não,absolutamente não estou falando de ninguém em particular, embora esse argumento de antecipacão faca crer ao leitor que tudo é exatamente o contrário disso.
E, além do mais tem essas pessoas errantes que o mundo cria para roubar-lhes a existencia e fazer com que elas vivam querendo descobrir caminhos obtusos, escondidos ali, naquele canto, não não, no outro, mas nesse mesmo mundo ladrãozinho. De repente também, aparecem raízes em pés móveis, demais quem sabe, e elas fixam devagarinho, prendem sutilmente, no movimento de quem acaba de despertar.