18 de abril de 2006

Precisamos criar o hábito de parar.

Pare agora. Por um minuto deite a cabeça no travesseiro. Essa é uma boa técnica de des-organização. Necessária para a posteridade.

Pare depois. Desde que o tempo voe. Pare quando você menos precisar.

Pare para parar de pirar. Pare para parar o parado. Pare para parar o pé.

Pare para descansar.

9 de abril de 2006

A louca de Higienópolis.

por Priscila Basile


A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.” – Manoel de Barros
Loucura – falta de discernimento; irreflexão; absurdo, insensatez, doidice, louquice.
- Do Aurélio.

Essa poderia ser uma história de uma menina trazida do Rio Grande do Norte, da pequena cidade de Canguaretama. Aos sete anos foi levada com o incentivo dos pais ao Rio de Janeiro. Aos 15, foi trazida de lá para a capital paulista. Mas poderia ser, não se sabe se é.

Seu Paulo eu não sou maluca nem sensitiva. Nada de paranormal. O senhor com sua família me trouxe sim. Do Rio de Janeiro quando eu tinha 15 anos todos éraram. Meu pai errou mandando me buscar de Canguaretama cóntra minha vontade. Vocês eraram me trazendo do Rio para São Paulo. Por que? Não se rouba gente. Nem nada.

Grita-se nos muros da Avenida Higienópolis, localizada no suntuoso bairro homônimo, palavras de uma tal Márcia ou Tereza que, todas as manhãs faz da escrita sua cachaça. Estende-se nos portões de um clube luxuoso dezenas de folhas repletas de poesia. Há quem conteste seu lirismo, há quem não acredite nele. Talvez por não entendermos ou por procurarmos lucidez em tudo que nos cerca, torcemos o nariz para os delírios reais dessa personagem urbana.
A primeira descrição física da chamada louca de Higienópolis poderia ser esta – uma mulher loira que faz suas próprias roupas – mas talvez isso lhe fosse insuficiente. Existe algo de lúdico na construção de suas formas. Olhos cansados, às vezes assustadores, em meio aos fios loiros de cabelo. Ela abusa das fitas, de tecidos brilhosos e de um rádio que vive pendurado em seu pescoço emanando Bethovem, Mozart ou Strauss. Poder-se-ia pensar em uma boneca espalhafatosa andando pelas ruas. Não. A organização dos elementos é de uma simplicidade quase doída. Uma Macabéa paulistana cuja hora de estrela são seus textos afixados sistematicamente com galhos nas grades do tal clube.

Esclarecimento à população: eu márcia aqui : morando na rua saia verde camiseta verde blusa rosa loura.

A descrição subjetiva é impossível de se delinear. Embora se comunique pelo olhar, pela fala às vezes rude, seus manuscritos comporiam o que de mais importante ronda a história de vida dessa mulher. Embora com a pontuação complicada, algumas palavras mal alocadas, há uma consciência de mundo que cerca as obras. Nomes de instituições, governantes, mesmo usados de forma hostil, saltam do papel a todo instante.


tá pensando que eu sou sensitiva de gáris josé serra? Vigaristas da prefeitura pé de chinêlos. tá pensando que eu sou doida prefeito de são paulo? Irão de arrepender eu juro! Sou vingativa pagarão. Odeio.

Outro fator curioso, agora quase mágico são nomes de seus possíveis amores, familiares, anfitriões e personagens desconhecidos. A curiosidade maior é de quem a lê e pára para averiguar na internet a verdade detrás dos títulos. Se a teoria de que só se existe se estiver na rede, encoraja desbravadores. Digita-se um nome em sites de busca e lá está ele. Homem, aprovado com a maior nota em um concurso para a vaga de carcereiro em São Paulo. A descoberta acaba por aqui. Outro nome, mulher, empresária que promoveria um leilão de jóias em Sergipe. Através dela se chega à outra pessoa de mesmo sobrenome. Nascida em 56, sem curso superior, é babá, artesã e mora no Jardim Paulista. Um número de telefone aparece na tela. Os curiosos perseguem as pistas como quem ronda ou descobre grandes fatos acerca de uma suposta grande história. Durante a ligação e do outro lado da linha identificada pelo endereço, uma voz feminina balbucia e afirma não haver ninguém com o nome exposto no currículo. Balde de água fria. O melhor seria não procurar lógica em algo que existe por si só.

Jamais colocaria um palito na minha boca jamais tirei comida dos meus dentes com á línguá, não sou porca. Usava nos meus dentes fio dental. Nunca pús minha línguá na minha bochécha nunca usei dentadura nunca tive tic, nervoso na boca.

Todas as manhãs, perseguimos os textos deixados pela escritora que faz da rua, sua mídia. Provavelmente o faremos até que existam por lá. Há dias em que somem, penso se não há mais algum fã, além de mim e dos que já conheço. Encantados por uma história que poderia ser a da vida de alguém, caçamos densidade em algo leve e impalpável. A existência. Ela que desconstrói seres humanos, seus caminhos e trata de impor lógica aos mais sensíveis.

2 de abril de 2006

Projetos distintos não devem ser pesados na mesma balança.

Há que separar-se desejo e responsabilidade. Cada um em sua metade da balança. Embora talvez devêssemos pesá-los em balanças distintas.

O desejo e a responsabilidade devem ser separados, etiquetados, catalogados e depois, guardados em distintos compartimentos de armários ou arquivos a que sirva vistoriá-los em dias quaisquer.

O relógio deve então parar de correr. Há de se ter escolhas que priorizem o prazer. Pode ser que alguém pense: o desejo virá sempre antes da responsabilidade.

Nem sempre.

Há que prefira a responsabilidade ao desejo, ou, há quem tenha desejo pela responsabilidade.

Geralmente o ser humano, esse objeto duplo, repleto de significações e sentidos possui balanceadamente as duas opções. O que deve ser evitado, no entanto, é o atropelamento de um pelo outro.

Mas, o tempo existe. Involuntariamente somos pautados pelo andar alvoroçado dos relógios e suas conseqüências. Escravos? Quem sabe. O que se tem certeza é que realmente não podemos escolher a que horas vem um e a que horas começa o outro.

Há de se optar pelas escolhas, novamente. Escolher alternativas pré-estabelecidas por normas que a gente mesmo se impõe. E se não as houvesse, o que decidiríamos?