26 de maio de 2006

Sobre como olhar o caleidoscópio.

“Eu não tenho medo, eu não tenho tempo, eu não sei voar”.
[Zeca Baleiro]


Às vezes a gente pensa que não se conhece e isso se torna uma máxima. Tanto é verdade que, diante de uma pergunta sobre o que há de mais verdadeiro em nós, um branco imediato toma conta do pensamento. Faça o teste. Eu não me conheço mesmo. Eu acho. Eu mudo. Eu anulo. Eu construo. Eu gosto.
Alguém poderia me fazer o favor de passar a fórmula da organização juntamente com a cartilha que ensina como se constroem objetivos fixos? Os meus não me bastam. Tenho a impressão que minhas vontades andam espalhadas pelas ruas me procurando e, quando passo por elas, assim como quem passa ao lado de um poste, elas se fixam em mim, viram minha vida do avesso e constituem-se como os novos planos pra vida inteira da última semana. Acho que viver é olhar pelo caleidoscópio cuja abertura nunca nos vai mostrar as mesmas figuras que desde as mais complexas e belas até as mais simples, nunca se repetem. Assim é o cotidiano da inconstância humana, cronometrada por minutos imutáveis e intransponíveis. Não temos muitas chances de arrependimento, mas temos a expectativa de futuros “bem aventurados”, de novas cores e formas. Embora isso seja pouco. Eu quero é olhar através do meu caleidoscópio para ter a certeza de que as figuras não se repetirão de verdade. Eu duvido. Eu pergunto. Eu acredito. Eu abandono.

“Precário, provisório, perecível; Falível, transitório, transitivo; Efêmero, fullgás e passageiro; Eis aqui um vivo”.
[Lenine]


Eu amo as pessoas por um tempo, apesar de intenso, dura pouco. Não me limito a uma quantidade de amores - todos eles de todos os tipos e sabores - adquiridos. Quero centenas deles por metro quadrado. Só assim é possível surpreender-me.
Não sei como funciona o lema de “pessoas pra vida inteira”, pode soar com frieza, mas a importância das pessoas que fazem parte do que a gente é, é também mais relevante no momento agora do que décadas adiante. Sentimentos mudam, não anulam, mas modificam-se como as pedrinhas coloridas do caleidoscópio. É só girar. Eu giro. Eu mexo. Eu congelo a cena do filme. Mesmo que seja por pouco tempo.

4 de maio de 2006

Na Argentina.


A viagem surgiu de uma pequena idéia entre amigos, aliada a projetos acadêmicos que testaram meus conhecimentos de formas bastante distintas.

Em primeiro lugar a lingua e a velocidade com que é falada se mostrou um pequeno obstáculo e, pensando bem, apesar da barreira perfeitamente transponível, me senti culpada de conhecer mais o inglês que o idioma falado em toda a América Latina, meu território.

Depois veio a comida portenha. A europeização é exposta claramente assim que se olha para um prato de refeição. Batatas, batatas e mais batatas. E, pelas ruas largas da capital argentina, cafés, cafés e mais cafés.Embora o café tenha me parecido um bem de luxo, caro como ingerir ouro verde ou negro.

Estranhamentos primeiros a parte, é só olhar pra cima e ver o céu. Sim, sim, temos um céu muitíssimo belo mas o céu de lá era de um azul infindo e homogêneo. Penso comigo que há de ser realmente claro o céu de uma cidade intitulada Buenos Aires.

Há um forte apego ao passado no país de heróis como Perón, Evita, Che Guevara e outros tantos paladinos anôminos que um livro seria pouco para listar. E a luta não cessa, nunca.

Noção de espaço. As vezes, em São Paulo, não dou um passo sem perguntar para ter certeza dos caminhos que me levam ao destino traçado. Em Buenos Aires não fiz diferente. Mas, a priori, assustei-me com a tamanha precisão pela qual um senhor me explicou como se chegava a uma rua X. Número exatíssimo de quadras e caminhos infalíveis de transportes coletivos.

Também é bonito pensar que lá, as pessoas esperam muito mais gentileza e ganham muito mais dela do que os brasileiros, conhecidos como hospitaleiros.

Praças, muitas delas, onde habitam populações inteiras de pombas alimentadas da doação de pais que levam as crianças para passear e dar milho a esses animais.

E havia um carrosel. Que ficava mais bonito quanto mais escura a noite fosse. Com suas pequenas luzes coloridas espalhadas ao seu redor. Funciona agora na minha memória como uma caixinha de música cuja melodia eu escolho e posso segurá-la nas mãos.