9 de outubro de 2008

Desencontro

Ela chegou ao pequeno salão e acomodou sua bolsa na cadeira vazia ao lado. Abriu a garrafa d’água por hábito, não por sede. Cruzou as pernas e esperou a meia hora que faltava para o início da palestra checando os números do celular.

Ele entrou de maneira desajeitada e se sentou frente ao público escasso, espalhado pelos assentos. Dispensou o microfone e sentindo-se mais confortável pela ausência de uma grande platéia, tirou a camisa para fora da calça e passou a mão rapidamente pelos cabelos. Respirou pesadamente. Olhou para ela sem saber que a via.

Ele fica mais bonito quando está desarrumado, pensou. É uma bagunça não alinhada. Um descomprometimento com a harmonia das vestimentas. A camisa agora amassada e levemente curta que, vagarosamente, seguindo o movimento dos braços, abria frestas para partes do corpo alvo, não esguio, mas ereto e timidamente desenvolto. Levantou e começou a falar, andando de um lado para o outro. Ela ia descrevendo e revelando seu comportamento, que não conhecia, mas a sua imaginação flutuava. Os dedos alongados demonstravam austeridade. Os óculos de aros finos transpareciam sabedoria e a paciência com a mediocridade era um silêncio ante a ignorância da pretensão. Os gestos mornos, pequenos círculos e demonstrações, não apagavam a luz dos olhos sutilmente claros, de pálpebras baixas. O pescoço alongado sustenta uma face de pêlos claros, barba e cabelo rente à cabeça.

Ele sequer imagina o que a moça escondida na platéia começa a desenhar e o pudor a impede de dizer que deseja esse homem calmo. Se envergonha de estar no meio daquelas pessoas, de perceber que ele é o centro das atenções, já que está num palco modesto. Em silêncio, ela continuava procurando palavras que o revelassem sem desmascará-lo. Ficou enrubescida por essa ação desigual – Ela se misturava meio ao público enquanto ele figurava abaixo da luz. Queria chamá-lo de outro nome, mas esqueceu até seu original. Além disso, a falta de intimidade a impedia de inventar-lhe um apelido ou abreviação silábica.

Que músicas ouviria de olhos fechados e quais motivos o levariam às lágrimas? Não haveria outro meio de conhecê-lo, nem de admirar aquele sorriso lateral, a cabeça baixa e intimidada. O desconforto de um palco sem altura. Sentiu-se pouco atraente, ocultando sua sensualidade dançante, ressaltando o olhar hoje mais entristecido, que era coisa da própria vida. Sua roupa amolecida e floral o enganava e ela se furtou a encarar um olhar incerto, por receio de transparecer sua fraqueza. Os nomes que ele falava passeavam por sua retina, mas nenhum era arquivado em sua memória. Longínqua e distraída.

Ela se levantou antes do fim e sem olhar para trás. Ele acompanhou seu trajeto até a porta que dava para o saguão. Distraiu-se por um segundo de seu discurso e gaguejou. Com a porta já fechada, ele olhou para as mãos e lamentou a ausência dela, retomando as palavras dirigidas a ninguém.