29 de setembro de 2007

João Passariheiro - outra parte

A capela ocre estava cheia de pequenas flores amarelas e brancas no contorno dos bancos e em arranjos dispostos pelo altar pequeno de alvenaria ainda não rebocado. Para a solução deste problema, Delfina sacou de um baú adormecido no quarto de sua falecida mãe, uma toalha branca com bicos de renda. Era essa mesma toalha que a mãe usava para cobrir a velha mesa de madeira de sua infância durante os almoços dominicais.

Delfina era muito parecida com a mãe, tinha os cabelos longos e negros até as costas, lisos como um tecido fino de seda. Quase todos os dias usava vestidos floridos e chinelos de finas tiras de couro. Passava horas frente ao espelho escovando os cabelos. Nessas horas sonhava com seu casamento com um fazendeiro rico, que tivesse casa e carro e que apareceria de repente, trazendo-lhe flores e trajando terno xadrez de tons pastéis. Quando encontrou João Passarinheiro e inevitavelmente se apaixonou, também aprendeu a lamentar frente ao espelho a triste sorte de se apaixonar por um sujeito magricela sem carro e sem casa, que trabalhava na colheita de café nos sítios e fazendas da região, se aboletando em qualquer canto escuro para dormir e, muitas vezes, dependendo da generosidade de seus patrões. Levava uma barraca de lona nas costas e andava feito um caramujo com a casa nos passos.


Passarinheiro perdeu a casa de seus pais quando fez dezessete anos, logo após a morte de seu pai, que padecera louco depois do sumiço repentino de sua mulher, vítima de uma febre de cuidados banais que alimentava uma busca cega pela limpeza e pelo bem-estar da família. Belo dia, tomou o rumo da estrada em busca de sabe-se-lá o que e perdeu-se na escuridão e, por mais que João e seu pai procurassem, a mãe perdia-se cada vez mais pelo matagal, até ser absorvida por ele.

24 de setembro de 2007

João Passarinheiro e o que virá por aí.

Estes textos que lerão em breve são fragmentos da vida de João Passarinheiro. Inventei outro dia que ele existia e agora, cá pra mim, ele já tem uma vida toda dele, embora seja ela toda minha. Muitas coisas eu vou mudar, outras vou corrigir, mas a intenção é publicar assim, CRU.

Vou escrever devagar e postar quando der vontade. Ainda não tem fim, nem meio, mas já é um começo. Pra escrever João Passarinheiro vou precisar de Piraju e das conversas e estórias de lá. É assim mesmo.

Também estou disposta a aceitar sugestões, se alguém quiser contribuir com o futuro do personagem. Não garanto que ele rume para algum lado, mas vou gostar de saber que ele pode ter outras chances. É isso, e por enquanto, é só isso.



João Passarinheiro se encontrou com Delfina, que achava muito bonito chegar atrasada em festas. Considerava uma displicência elegante, digna daquelas pessoas que pouco se importam com tudo e todos. Em sua imaginação de futura estrela, aquele desdém simbolizava o mérito somente conferido as grandes estrelas que, de tão reconhecidas seja lá por que coisa, não deviam satisfação a mais ninguém. Naquele dia, era ela a grande estrela. A capela estava arrumada conforme seu gosto. Cada detalhe foi pensado e sonhado desde que decidiram se casar. A capela ficava em uma pequena estrada de terra que ligava nada a lugar nenhum. Escolheram a pequena igreja porque fora lá que Passarinheiro nasceu. Sua mãe teve um parto difícil, apesar de uma gravidez tranqüila.

Na ocasião, havia um panfletinho de Nossa Senhora Desatadora dos Nós no bolso de seu pai, que ficou rezando de olhos cerrados para que o filho nascesse bem, ainda que parido ali, no meio de uma estrada por onde só se passava gente a pé, nenhum carro, carroça ou carro de boi.


Com o sucesso do parto e diante da criança saudável que nascia, decidiram erguer ali a capela em homenagem a santa. João Passarinheiro, mesmo pensando em toda a dificuldade de realizar ali o casamento, não hesitou na hora de escolher o lugar. Delfina a princípio não gostou da idéia, mas depois leu em uma revista no dentista que uma atriz famosa escolhera, mês passado, um lugar parecido. A atriz falava de um casamento rupestre, simples que só, afirmando assim a possível existência de uma felicidade maior do que aquela cheia de pompa e circunstância com a qual sonham a maioria das noivas.

(Continua no próximo post e vai continuando sempre)