29 de julho de 2008

Meu avô

Alguém me segue pela casa durante todo o dia. Falta tema para seguir com uma conversa, por mais que ele demonstre vontade de começar alguma. Decido preparar uma garrafa de café. Em vários lugares do mundo, a bebida pode ser motivo de grandes encontros e papos. Seria meu ponto de partida para rever memórias espalhadas pelo tempo e espaço da mente do meu avô.

Café na mesa, algumas bolachas.
- Sente-se meu avô.
- Cafezinho é sempre bom – diz ele, que passados longos anos de sanidade seguidos por decadente perda de memória, o substantivo avô não lhe causa estranhamento
Hesito para verificar se ele começa o assunto. Silêncio.
- E a Vovó Marina, vô? Sente saudades?
- Hum, Marina foi uma namorada minha, bonita que só!
- E seus filhos?
Silêncio. Ele muda de assunto.
- Sabe, existem as coisas. Vou falar para o meu pai, quando ele morrer, dividir entre mim e os meus irmãos. Aí eu pego essas coisas e dou para minha filha cuidar de mim.

Ele chora. Meu bisavô morreu há muito tempo atrás, antes mesmo de minha mãe nascer, seus irmãos não lhe foram companheiros durante toda a vida. Alguns morreram, outros sumiram por diversas cidades. Moravam em uma cidade chamada Santa Cruz, distrito há muito extinto de Ribeirão Preto.

- Onde estou?
- Em Piraju vô. Na casa de sua filha.
- Quem é minha filha?
Aponto para minha mãe.
- Não, essa é Aninha, minha irmã, que não me deixa ir para canto algum.
- Hum.
- Eu me sinto sozinho sabe? Lembro de uma imensidão de coisas e, de repente, tudo fica escuro, vazio, como se eu caísse em um buraco negro.

Percebi que, na verdade, ele se sente muito sozinho, não reconhece as pessoas e tem espasmos de memória que lhe trazem sentimentos muito distantes.
Certa altura do dia, ele pede dinheiro para ir ao bar. Algumas vezes não se pode dar, atrapalha o efeito dos remédios. Não há muito o que fazer, negar a cerveja diária é o mesmo que tirar sua única lembrança dos dias. Não é justo.

Olho em seus olhos, bem fundo, e não consigo resgatar uma lembrança sequer. Nada. É como se por trás da pupila, de dentro da retina, não existisse mais nada, a não ser um emaranhado de idéias confusas, sem cronologia correta, tudo espalhado dentro de um quarto que necessita de arrumação.

6 de julho de 2008

Comecei pelo fim.

Até agora não decidi para onde vou.


p.s: [Que eu, desde a partida,
Não sei onde vou.
Roteiro da vida,
Quem é que o traçou?]

Camilo Pessanha