29 de outubro de 2011

Rua da Consolação

Vou escrever para te contar que lembrei de você. Que escrevi sobre você e que até vi, de relance, seu olhar mortiço e confuso se espalhando pelas ruas. Inundando a Consolação. A cidade toda. Fazendo chover mais do que já chovia quando o táxi passou, sem perceber, pelo farol vermelho.

Meu primeiro impulso foi esboçar um aceno. Talvez um afago (para parafrasear João Gilberto Noll). Mas no momento em que o carro cruzou a rua tive tempo de quase falar, quase levantar as mãos, quase abrir os vidros. Os segundos que correm nas ruas velozes, no entanto, apenas me permitiram respirar rapidamente como quem traga sem esperar pela fumaça. E depois suspirar de surpresa ao me dar conta de ter perdido um diminuto intervalo de tempo.

Depois de viver um segundo como quem permanece um dia todo em silêncio, lembrei que você não teve coragem. Eu tampouco. E nas memórias da minha retina o meu claro desinteresse ficou opaco.

Talvez tenha sido a chuva. Talvez o final da tarde que ventava e trazia já os dias quentes. Mas você estava belo e pleno. Simetricamente vestido e despenteado. Imensamente inconveniente. Uma pedra no meu sapato novo.

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